Os Temas de Allan Kardec
Se tratássemos de
definir o comportamento do homem comum em três palavras que exprimissem suas
tendências mais fortes poderíamos falar em prazer, conforto e
riqueza.
Poucas pessoas
inspiram-se em motivações mais nobres, vivendo em função de eternidade, isto é,
cuidando do aprimoramento moral, intelectual e espiritual, com vistas à vida
que segue adiante, além do túmulo e muito além das limitações da Terra.
Por exceção
marcante situaremos Allan Kardec, cujas tendências, a evidenciarem sua elevada
posição espiritual e sua condição especial de missionário, poderiam ser
resumidas na máxima que ele próprio situou como o roteiro da ação espírita em
favor de um mundo melhor: Trabalho, Solidariedade e Tolerância,
O primeiro tema
enseja considerações especiais. Neste mundo de inversão de valores em que
vivemos, uma das ilusões mais arraigadas no Homem, causa principal de grande
número de suas aflições e males, é a de confundir felicidade com inatividade;
paz de espírito com a ausência de responsabilidade. O estudante vibra com a
chegada das férias escolares; o operário aguarda ansiosamente o fim de semana,
o feriado, as férias anuais e, por extensão, a própria aposentadoria, considerada
por muitos como o estágio ideal, em que, garantido o sustento diário, se sentem
plenamente eximidos de qualquer esforço.
Por paradoxal que
pareça, pessoas há que se desdobram em múltiplas atividades, buscando alcançar
no menor prazo possível uma condição financeira que lhes possibilite a
felicidade de não fazer nada.
Tão arraigada
está essa idéia no espírito humano,que a própria escatologia das religiões
ortodoxas nos apresenta o Céu como uma região de beatitude, onde as Almas
eleitas se comprazem no descanso eterno.
Num Universo
dinânico, onde tudo vibra em sinfonia de movimento e progresso, desde as formas
rudimentares de vida às mais altas expressões de espiritualidade, eis o Homem,
situado no mais alto estágio da evolução biológica, querendo subverter a ordem
natural, confundindo a estagnação da indiferença com felicidade. O fato desse
comportamento constituir-se numa aberração diante do dinamismo que vibra na
Criação nos permite compreender o pôrque de sua crônica infelicidade - ele vive
descompassado em relação à Vida, como alguém a dançar fora do ritmo.
Kardec
levantava-se, diariamente às 4:30 da madrugada, empenhando-se com todo o ardor
em suas atividades, desde o tempo em que exercia as funções de professor e
pedagogo. Manteve esse padrão na codificação da Doutrina Espírita, consciente
das enormes responsabilidades que pesavam sobre seus ombros, e da exiguidade de
tempo para a gigantesca tarefa que lhe competia realizar.E encontrava no
trabalho o estímulo sempre renovado para seguir adiante sua missão,
sobrepondo-se às perseguições e ataques com que o velho misoneísmo humano cerca
as idéias novas.
O segundo tema é
a solidariedade. Caráter universalista, empolgado com os problemas que envolvem
o progresso e a felicidade do Homem, o Codificador cedo concluiu que os males
que afligem a Humanidade são resultantes exclusivamente do egoísmo. A eterna
preocupação com o próprio bem-estar é a grande fonte geradora de desatinos e
paixões desajustantes.
A máxima
"Fora da Caridade não há Salvação", divulgada insistentemente por
Kardec, é a bandeira da Doutrina Espírita na luta contra o egoísmo. A
solidariedade é a caridade em ação, a caridade consciente, responsável,
atuante, empreendedora ...
Juridicamente os
participantes de uma sociedade são solidários quando respondem em idênticas
proporções por lucros ou prejuízos que valorizem ou onerem os bens
patrimoniais. Espiritualmente, somos todos solidários diante dos patrimônios da
Vida e colhemos alegrias ou sofrimentos de conformidade com a nossa contribuição.
Os males que afetam a coletividade, em virtude de nossas faltas ou omissões,
atingem nossa economia espiritual em particular, situando-nos em clima de
desarmonia. Da mesma forma nosso esforço em favor do bem-estar alheio, por
menor que seja, renderá juros altos de alegria e paz.
A tolerância é o
terceiro lema. Trata-se da arte de aceitar as pessoas como elas são e,
conseqüentemente, relevar os males que porventura venham a nos causar. Cada
criatura está numa faixa de evolução. Não podemos exigir das pessoas mais do
que podem dar. E ninguém é intrinsicamente mau. Somos todos filhos de Deus.
É interessante
destacar que em qualquer relacionamento humano as pessoas tendem a se comportar
da maneira como as vemos. Identificar pequenas virtudes é uma forma de
desenvolve-las. Estar sempre a apontar mazelas e imperfeições é simplesmente
exacerbá-las ...
Sem tolerância é
impossivel manter o próprio equilíbrio ou realizar um trabalho profícuo no
campo do Bem, porquanto, na medida em que nos detemos no mal que vemos nos
outros passamos a assimilá-lo.
A obra de Kardec
é profundamente marcada pela tolerância, inclusive em questões religiosas,
advindo daí sua recomendação para que os espíritas não se preocupem em fazer
proselitismo. E revela seu comportamento, em face dos ataques e critícas:
"Quando
me sobrevinha uma decepção ou contrariedade qualquer, eu me elevava pelo
pensamento acima da Humanidade, e me colocava antecipadamente na região dos
Espíritos; desse modo, desse ponto culminante, as misérias da vida deslizavam
sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder
que os gritos dos maus jamais me atingiram."
Ante as
responsabilidades resultantes do conhecimento da Doutrina Espírita, que nos
convida a superar a temática de vulgaridade e imediatismo que caracteriza o
comportamento humano, em larga maioria, a máxima vivida por Kardec apresenta-se
como roteiro abençoado de uma ação espírita consciente, capaz de esclarecer e
edificar os corações, com a força irresistível do exemplo.
Richard Simonetti
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