Uma proposta pedagógica espírita




Uma Proposta Pedagógica Espírita



Se lemos o espiritismo com olhos pedagógicos, como foi escrito por Kardec e teorizado e praticado por iniciadores da pedagogia espírita no Brasil (tais como Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Herculano Pires, Ney Lobo e outros) veremos que se podem deduzir alguns princípios fundamentais, que aqui, didaticamente, resumo em três. Esses princípios podem ser extraídos da cosmovisão espírita, mas não por acaso, aparecem em três clássicos da Educação, de que Kardec foi herdeiro: Comenius, Rousseau e Pestalozzi.
Se o espiritismo entende o percurso da alma humana através do tempo, como um processo educativo, deflagrado por Deus, compreendido como Pai, então deve haver uma pedagogia divina. Esta pedagogia tem três parâmetros:
1) A liberdade: fomos lançados livres no universo, com o direito e o dever de construirmos a nós mesmos e cultivarmos as sementes de divindade que trazemos em nós;
2) A ação: somos livres, para agir no mundo e é através da ação, que promovemos o nosso aprendizado, experimentando situações e vivências, em diversas vidas, até adquirirmos sabedoria e virtude;
3) O amor: embora Deus tenha nos criado livres para agir, não nos deixou ao abandono, cerca-nos com seu amor incessante, enviando seus mensageiros, para ensinar ao homem a verdade e o bem, colocando ao nosso lado Espíritos que nos amam e orientam e intervindo junto a nós como Providência, que nos acompanha.
São esses três princípios, pois, que podemos erigir como fundadores de uma proposta pedagógica espírita: respeitar a liberdade e a individualidade da criança, que deve agir para aprender (e isso vai desde a aplicação prática de fórmulas matemáticas até o exercício das virtudes), mas essa ação livre deve ser acompanhada pelo amor dos educadores, empenhados em incentivar e cultivar o lado bom dos educandos, com atenção, diálogo, observação e autoridade moral.
Dentro dessa filosofia educacional, como se apresenta o ensino da religião?
O espiritismo reconhece que a dimensão espiritual do ser humano é essencial para o seu desenvolvimento integral. Ao mesmo tempo, Kardec não queria que a doutrina espírita tivesse um caráter proselitista (embora isso nem sempre seja seguido por seus adeptos), pois o respeito à liberdade de consciência é quesito absoluto da ética por ele proposta. Herculano Pires (que lutou na década de 60, pela escola laica, gratuita e obrigatória), diante da necessidade de se recuperar o aspecto espiritual na educação, propõe que:
“…não podemos ter Educação sem Religião, o sonho da Educação Laica não passou de resposta aos grandes equívocos do passado (…). O laicismo foi apenas um elemento histórico, inegavelmente necessário, mas que agora tem de ser substituído por um novo elemento. E qual seria essa novidade? Não, certamente, o restabelecimento das formas arcaicas e anacrônicas do ensino religioso sectário nas escolas. Isso seria um retrocesso e portanto uma negação de todas as grandes conquistas (…). Reconhecendo que a Religião corresponde a uma exigência natural da condição humana e a uma exigência da consciência humana, e que pertence de maneira irrevogável ao campo do Conhecimento, devemos reconduzi-la à escola, mas desprovida da roupagem imprópria do sectarismo. Temos de introduzir nos currículos escolares, em todos os graus de ensino, a disciplina Religião ao lado da Ciência e da Filosofia. Sua necessidade é inegável, pois sem atender aos reclamos do transcendente no homem não atingiremos os objetivos da paidéia grega: a educação completa do ser para o desenvolvimento integral e harmonioso de todas as suas possibilidades.” (PIRES, 1985:40)

Bibliografia:

       AUGUSTIN. A Work on the Proceedings of Pelagius. 415.  http://www.ccel.org/fathers/NPNF1-05/c5.1.htm
       JOHNSON Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
       KARDEC, Allan. Obras póstumas. São Paulo, Edicel, 1971.
       ORIGÈNE. Traité des principes. Paris, Études Augustiniennes, 1976.
       PIRES, J. Herculano. Pedagogia Espírita. São Paulo, Edicel, 1985.
       RIVAIL, H.-L.-D. Textos pedagógicos. Tradução Dora Incontri. São Paulo, Comenius, 1997.
       RUBENSTEIN, Richard E. Le jour où Jésus devint Dieu. Paris, Éditions la Découverte, 2001.
       WILLIAMS,  Kevin. Christian reincarnation, the long forgotten doctrine. 2002. http://www.near-death.com/origen.html
[1] Essa era a tese de José Herculano Pires, um dos grandes intérpretes do espiritismo no Brasil e defensores da pedagogia espírita. Essa foi a tese que pretendi demonstrar em meu doutoramento: INCONTRI, Dora. Pegadogia espírita, um projeto brasileiro e suas raízes histórico-filosóficas. Tese de doutorado. São Paulo, FEUSP, 2001.
[2] Há polêmica em torno na posição de Orígenes, mas lendo suas obras, fica clara a sua defesa, tanto da reencarnação, quanto da salvação universal: “Deus, pai do universo, tudo organizou, segundo o reino inefável de seu Verbo e Sabedoria, em vista da salvação de todas as suas criaturas… (ORIGÈNE, 1976:81) ou ainda “Detivemo-nos sempre a demonstrar que a providência de Deus, que dirige todas as coisas segundo a justiça, conduz também as almas imortais pelas leis mais justas, adaptadas aos méritos e às responsabilidades de cada um; pois o plano de Deus para o homem não está fechado nos limites da vida deste século, mas um estado anterior de méritos fornece sempre a causa do estado que se segue; assim, graças à lei imortal e eterna de eqüidade e graça no governo da divina providência, a alma imortal é levada à perfeição suprema.” (ORIGÈNE 1976:167)
[3] Expliquei a posição de Jesus no espiritismo da seguinte maneira: “Não sendo o Ser Supremo do Universo (aliás, desde a época da formulação do dogma da Trindade, esse universo se expandiu infinitamente e se aceitamos a existência de Deus, e a sua presença, governo e poder entre bilhões e bilhões de galáxias e em meio a prováveis inúmeras humanidades, fica mais difícil aceitar a idéia de uma encarnação sua na Terra), Jesus Cristo não se vulgariza com isso, tornando-se apenas mais um homem entre outros tantos. Ele seria o Espírito que já atingiu a perfeição como todos nós atingiremos um dia, segundo a lei da evolução. Portanto ele é a realização daquilo de que somos ainda potência. É a meta a ser atingida, por um processo de educação do espírito, nas sucessivas existências.” (INCONTRI, 2001)

  


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