O Direito e o Dever de nos Assumirmos Espíritas
Dora Incontri
Em contato com várias entidades
assistenciais, editoriais, das áreas de saúde e educação, cujas origens e
fundamentos foram espíritas, observamos uma tendência crescente e um
discurso repetido para se retirar o nome espírita. Nós mesmos, na ABPE,
já recebemos diversas sugestões externas e internas para abandonarmos o
termo “pedagogia espírita”, que foi criado por José Herculano Pires na
década de 60.
Por que essa tendência? Que motivações se escondem atrás delas? Por que não podemos concordar com isso?
Se considerássemos o Espiritismo como
meramente religioso – coisa que todos sabem é o oposto do que pensamos –
ainda assim defenderíamos o direito e o dever de assumirmos a nossa
identidade espírita como indivíduos, como instituições, em projetos
sociais e pedagógicos. Ora, não há centenas de excelentes hospitais
dirigidos por religiosos católicos? Dezenas de PUCs, outras tantas
universidades protestantes de renome, inúmeros trabalhos sociais
respeitados e reconhecidos internacionalmente, fundados e dirigidos por
religiosos, como Madre Teresa de Calcutá ou Irmã Dulce? As pastorais da
criança e do idoso recebem menos reconhecimento em seu magnífico
trabalho, por estarem ligadas à Igreja?
Nunca ouvi ninguém fazer uma crítica ao
Dalai Lama, por se apresentar como monge budista. Suas luminosas
opiniões não são ouvidas? Não é respeitado por órgãos internacionais e
recebido pelas maiores personalidades do planeta? Um Gandhi, que exerceu
e propôs como ninguém, o diálogo inter-religioso, deixou alguma vez de
se assumir como hindu que era? Um Leonardo Boff, embora perseguido pela
própria Igreja Católica, alguma vez renegou sua identidade religiosa?
Seus livros não são lidos por pessoas de todos os credos e por pessoas
sem credo?
Aliás, todas essas instituições e
personalidades não dignificam suas religiões? Não é através de um
Gandhi, que posso falar com o hinduísmo? Não é através de uma Madre
Teresa, que posso ter empatia com os princípios cristãos?
Por que então, não podem os espíritas ter
seus hospitais, suas escolas, suas universidades, seus projetos e suas
personalidades de destaque?
O diálogo inter-religioso, o
universalismo, a tolerância não se dá na morte das identidades de cada
um, mas no respeito à vida saudável de todas as correntes!
Os argumentos apresentados pelos partidários do “tirar o nome espírita” seguem nas seguintes linhas:
1) O Espiritismo suscita preconceitos.
Pois então devemos lutar contra os preconceitos, quanto mais nos
escondermos, mais eles se perpetuarão. Se não há preconceitos contra
budistas, católicos, protestantes, por que devemos aceitar que haja
contra os espíritas e nos resignarmos a renunciar ao nosso direito de
sermos o que somos?
2) O nome “espírita” afasta
financiadores. Em parte é verdade. E daí? Vamos trair nossas convicções
ou disfarçá-las por causa de dinheiro? Em parte não é verdade, o que não
se financia são projetos proselitistas, doutrinantes (dos quais também
discordamos), mas instituições assumidamente espíritas podem fazer
projetos universais. Além disso, temos que achar caminhos de
autofinanciamento para as coisas em que acreditamos. Um exemplo positivo
que pode ser citado nesse sentido é o que fez Dr. Tomás Novelino na
Fundação Pestalozzi de Franca. Durante várias décadas, sustentou escolas
espíritas com a renda de uma fábrica de sapatos. Outro exemplo atual,
ainda em fase de implantação, é a excelente iniciativa da Capemi, em
fazer um cartão de crédito para financiar projetos do bem…
3) Outro argumento usado é o de que
afirmar-se espírita é criar separativismo, é afastar as pessoas, é
suscitar críticas. Alguém por acaso criticou Madre Teresa de Calcutá por
ser freira? Alguém desrespeita o Dalai Lama por ser budista? Alguém
reclama por Hans Küng – o teólogo que trabalha pelo diálogo entre as
religiões – ser católico? Todos militam por ideias e ações universais, a
partir de seu lugar de identidade. É o que devemos fazer. A Pedagogia
Espírita se propõe justamente a isso, a partir de uma visão espírita,
trabalha pelo diálogo inter-religioso, a espiritualidade universal e o
amor e a liberdade na educação – valores que todos podem aceitar. Mas a
nossa perspectiva, a nossa justificativa, os nossos fundamentos são
espíritas. É isso que deve ficar claro, porque mostra que o Espiritismo
não é sectário (ou pelo menos não deveria ser) e que de suas raízes
brotam transformações importantes para toda a sociedade.
4) O Espiritismo – também se argumenta –
se aparecer ligado a uma pesquisa, a um projeto científico, pode
desacreditar a neutralidade do cientista ou da instituição. Se o
Espiritismo tiver esse caráter, que geralmente o movimento espírita lhe
atribui, de religião sectária e de proselitismo, esse argumento é
válido. Mas se resgatarmos as origens do Espiritismo, a metodologia de
pesquisa inaugurada por Kardec, se enfim entendermos e praticarmos o
Espiritismo como um novo paradigma do conhecimento – então podemos e
devemos fazer uma ciência inspirada em Kardec.
Resumindo a questão – se a nossa visão do
Espiritismo é, como queria Kardec, aberta, progressista, científica,
filosófica, cultural, sem descartar seu aspecto religioso, então é nosso
dever oferecer ao mundo esse caminho. Sem imposições, mas como
alternativa respeitável e consistente, trabalhando lado a lado com
pessoas do bem, de outras religiões, filosofias ou correntes políticas,
podemos levantar a bandeira do Espiritismo, com dignidade, sem
fanatismo; com abertura, sem perda de identidade.
Então, poderemos dar uma contribuição
histórica importante, não para que todas as pessoas se tornem espíritas
(não é esse o objetivo), mas para que projetos, ações, ideias, nascidas
do Espiritismo influenciem o mundo de forma original e positiva. Vamos
assumir esse dever? Ou vamos passar à história como covardes e omissos,
que participaram da conspiração do silêncio, que vem sendo feita, desde o
século XIX em torno no nome de Kardec e das propostas revolucionárias
do Espiritismo?
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