Práticas não espíritas





Práticas não espíritas

Wilson Garcia


Considera-se atividades não espíritas, diversas atividades, tais como: de cura, conhecidas como cromoterapia, fitoterapia, cristalterapia, terapia das vidas passadas (TVP) e todas as demais que utilizam métodos contrários aos ensinos da Codificação; cerimônias de casamentos, batizados, crismas, bodas de prata (e outras), que figurem como ritualísticas e valorizadoras de formalidades; estudo de qualquer matéria sem a devida conotação doutrinário-espírita; atividades ritualísticas de qualquer natureza; discussões político-partidárias ou patrocinadoras de candidaturas a qualquer cargo público etc.
A intromissão de práticas estranhas, que no passado se restringiam às oriundas das religiões e crenças formalistas, assumiu em tempos próximos o acinte de serviços outros, como as diversas terapias em voga. Quando essas práticas são introduzidas no centro, elas costumam ganhar as preferências porque seus defensores são às vezes hábeis em defendê-las e quase sempre esbarram com adeptos pouco esclarecidos, medrosos de defenderem a posição doutrinária ou que se submetem à pressão de amigos que não desejam desgostar. Além do mais, essas práticas, chegando com o rótulo da novidade, ferem mais às vistas e ao sentimento.
Entre os prejuízos que elas provocam está o da descaracterização doutrinária, que é mais profunda do que imaginam alguns. As atividades estranhas provocam a colocação do estudo doutrinário em plano secundário, tendo em vista que é preciso dar a elas uma atenção sempre crescente. Elas envolvem e exigem dos colaboradores e dirigentes o tempo que é dispendido nas atividades normais. A conclusão é que não havendo estudo doutrinário permanente e progressivo, esquece-se em pouco tempo os aspectos primordiais da doutrina, os quais vão assumindo paulatinamente menor importância, até chegar um ponto em que os responsáveis pelo centro nenhuma lembrança mais forte terão deles. Neste momento, os valores invertem: o doutrinário dá lugar ao não-doutrinário e este assume o comando de todas as atenções.
Os centros que chegam a esse ponto acabam por ver seus responsáveis cada vez mais envolvidos com as preocupações do não-doutrinário, inclusive na busca de justificativa para a posição assumida.
Foi exatamente isso que ocorreu com a Casa do Caminho, quando foram ali abolidos os comentários dos ensinos do Cristo e imposta aos freqüentadores a circuncisão, como passaporte para virem ao local. Voltou-se ao ponto anterior à vinda do Cristo. Morreu naquele momento a razão de ser da Casa.
Para os que pensam que desse perigo não corre o Espiritismo é bom lembrar que o assédio de doutrinas estranhas aos centros é algo constante e permanente e a tomada de rumos anti-doutrinários é muito mais fácil do que a implantação de atividades compatíveis com o espírito da Codificação.
Antes de ser espíritas os indivíduos são muitas outras coisas. Ao aderir à doutrina, deparam com a necessidade de longos anos de estudo e trabalho, para alcançar a plena consciência espírita. O comum é que, no transcorrer do tempo, o indivíduo interprete e pratique o Espiritismo segundo deduções e conclusões parciais, quando então se utiliza de conhecimentos arquivados em sua memória, conhecimentos esses que podem ser mais ou menos de acordo com a nova doutrina. É neste período que as intromissões no centro mais acontecem.
As demais intromissões ficam por conta de sentimentos que adornam os indivíduos. O orgulho e a vaidade são normalmente a porta de entrada para a instalação de atividades e situações contrárias à doutrina. Os indivíduos adquirem certos conhecimentos, pelos quais se encantam, vêem seus resultados, inconscientemente os medem em relação aos alcançados no centro, notam-lhe a aparente superioridade e os levam para dentro da casa. Há no fundo uma boa intenção, mas essa atitude esconde a falta de conhecimentos doutrinários seguros. Quando a atividade de assistência espiritual estagna ou apresenta resultados abaixo do ideal, de duas uma: falta estudo e preparo à equipe ou esta não está imbuída dos propósitos mínimos para a ação.
O que parece bastante enfático nos nossos dias é a falta de conhecimentos adequados para a fluidoterapia. Um bom exemplo para justificar essa colocação está em algumas doutrinas orientais, onde o trabalho sobre a energia, feito sob designações próprias, ganha larga aplicação e, segundo consta, excelentes resultados. Ora, a doutrina mostra que esta energia está disponível à ação de qualquer criatura interessada no bem (ou no mal, diga-se de passagem), sendo o mínimo exigível que o indivíduo tenha boa vontade para utilizá-la. Curiosamente, portanto, doutrinas outras, que sobre a energia só possuem informações teóricas não lastreadas na ciência, acabam por conseguir resultados melhores do que certos centros espíritas, onde existe uma doutrina formulada com excelentes fundamentações sobre a energia, além de ampla base científica. Como a falta de conhecimento é o que parece fortalecer os fracos resultados e a estagnação, surge então a aparência de impropriedade de continuar apenas com os passes, em algumas casas, evidenciando-se a oportunidade de introdução de terapias outras.
A fluidoterapia não é algo pronto e acabado doutrinariamente. É uma atividade que deve estar sempre em evolução, como qualquer outra no centro espírita. Se estagna revela também falta de atenção dos dirigentes. O seu ponto de estagnação pode estar numa conduta mecanizada que se estabelece ao longo dos anos. Ou seja, há certas casas onde os frequentadores são levados a se habituarem a comparecer ao centro em determinado dia e hora, para ouvirem algumas explicações doutrinárias e receberem um passe rápido. Depois retornam aos seus lares.
A pergunta é: de que o passe lhes serviu? Que consciência possuem da terapia? Por que buscaram o centro? Como ficam, semana após semana, recebendo o passe? E os passistas, como se comportam diante do seu próprio trabalho, semana após semana? Qual é a ideia geral dos dirigentes em relação à atividade em si?
Bem respondidas, estas questões podem revelar uma situação carente de mudança e, como dizia Heráclito, nada é permanente, senão a mudança. Os indivíduos tendem, ao longo do tempo em que se habituam a uma situação, a praticá-la mecanicamente, como o fazem os frequentadores das religiões formalistas. O hábito lhes embota o raciocínio e sem este a razão de ser do que fazem assume o seu valor mais formal. Os indivíduos acabam entregando aos Espíritos a tarefa de lhes proteger e curar, e com isto resolvem momentaneamente problemas conscienciais.
Viu-se em alguns locais enormes salões completamente lotados em dias de passes, onde o povo chega, se acomoda e bem não começa a ouvir o expositor, é convocado em filas a se dirigir à fluidoterapia.
Após receber o passe, retira-se da casa. Há todo um contexto propício à mecanização. O trabalho de assistência espiritual com grande público é ainda um desafio para os espíritas. A observação demonstra que em casos semelhantes as pessoas não assumem uma consciência ideal mínima do serviço que lhe é prestado, do seu valor e oportunidade. Há casos inúmeros de indivíduos que absolutamente não precisariam da assistência, mas se tornaram habituais frequentadores da reunião.
Se estes indivíduos imaginarem que não podem deixar de comparecer ao local no dia e hora aprazado, assumindo uma espécie de compromisso religioso, teremos aí o nascimento do frequentador do banco, do adepto não esclarecido, à semelhança de religiões outras.
Saberá o dirigente se este pensamento se passa na cabeça de seus frequentadores  Não se vê praticamente nada em desenvolvimento neste sentido. Observa-se, isto sim, muitas casas, mercê do bom envolvimento com indivíduos e colaboradores, crescendo em espaço e número; vê-se contingentes enormes de pessoas comparecendo assiduamente em determinados dias, mas pouco se distingue em termos de trabalho que busque aclarar o que se passa na mente dos frequentadores  Eis aí um mal das casas enormes, que seus dirigentes deveriam resolver, já que lhes é inevitável o crescimento.
Nos centros espíritas pequenos, essas situações não ocorrem porque a proximidade entre as pessoas torna a situação clara; a convivência estabelece a intimidade e por ela se sabe onde vai o conhecimento de cada um. Eis porque Kardec opinou favoravelmente às casas menores.
O outro lado da moeda da assistência espiritual é o comportamento do grupo que assiste os frequentadores  A mecanização aí é ainda mais prejudicial, quando acontece.
Os serviços do centro exigem qualidade e qualidade é a palavra de ordem da nossa sociedade produtiva deste final de século XX e começo do terceiro milênio. Não é apenas pelos serviços que presta mas, essencialmente, pela qualidade deles que os espíritas alcançam um grande conceito na sociedade. E, reforçando o que disse anteriormente, por serem gratuitos os serviços do centro, muito mais responsabilidade têm os dirigentes em relação à qualidade deles.
Na assistência social, a questão da qualidade assume dois aspectos igualmente interessantes: seja qual for o tipo de serviço aí desenvolvido, a sua qualidade aparecerá no serviço em si, aos olhos da sociedade, e no esclarecimento doutrinário aos assistidos, perante a doutrina. Explicando: se o centro oferece uma simples sopa aos pobres, esta deve ser nutritiva, ser servida quente e em quantidade adequada, entre outras coisas. Uma sopa assim deixará o assistido satisfeito; mas este alimento do corpo precisa ser complementado com o alimento do espírito. Aí aparece o esclarecimento doutrinário, capaz de tornar o assistido um ser humano digno. O esclarecimento doutrinário é o complemento indispensável do serviço assistencial e sua qualidade se refletirá ao longo do tempo, na formação e crescimento dos assistidos.
O serviço social prestado pelos espíritas tem feito do Espiritismo uma doutrina altamente respeitada no Brasil, mas isso não nos impede de ver alguns aspectos falhos nesta atividade. O primeiro deles diz respeito à prática do serviço sem o devido complemento doutrinário. Isto ocorre numa escala diversificada, que vai desde a simples doação de alimentos e roupas e chega às vezes a instituições hospitalares e assemelhadas.
Tudo começa quase sempre no centro espírita, fundado sob os influxos dos ideais doutrinários e da inspiração superior, onde seus primeiros trabalhadores fazem escrever no Estatuto uma finalidade social de médio ou longo prazo como objetivo complementar do grupo. Põem-se eles com afinco no encalço do tal objetivo e o denodo, a dedicação e a coragem os levam a alcançar o ideal. Eis quando começam as grandes dores de cabeça para alguns. A prática da doutrina em uma instituição maior se transforma em desafio de toda ordem. Ora debatendo-se com leis esdrúxulas e castradoras do atendimento espiritual, ora vendo-se de frente com o preconceito de assistidos e familiares, ora, enfim, sentindo a falta de um grupo de colaboradores que não preparou ao longo do tempo, os dirigentes não raro acabam por abandonar a necessidade da prática doutrinária na instituição e optam pela continuidade do serviço social simplesmente.
Certa ocasião, amigos de um centro espírita erguido com grande esforço a partir de uma casinha humilde, em cidade próxima da capital paulista, nos procuraram para ouvir nossa opinião sobre uma grande obra social em vista. O prefeito havia garantido o terreno, os maçons dariam alguns recursos financeiros e a possibilidade de conseguir outro tanto junto à sociedade era enorme. Havia, porém, no grupo uma discordância interna, gerada pelo receio de partir para uma grande obra. Aí estava a dúvida.
Questionado pelas duas alas, não tivemos dúvida em perguntar se o centro havia se preocupado em preparar um grupo de trabalhadores para a futura obra social, a fim de dar a ela a orientação doutrinária indispensável. Não, foi a resposta. Não haviam pensado nisto. Então, esta deveria ser uma preocupação, pois muitas obras nos meios espíritas acabam se tornando apenas um serviço social comum por falta de pessoas habilitadas a empregar a doutrina. Não é preciso dizer que o grupo continuou dividido, pois a ala dos que desejavam erguer uma obra gigantesca era feita de pessoas de grande entusiasmo, que não aceitaram as nossas ponderações. Porém, ao que sabemos, a obra idealizada não teve ali seu início, o que não impediu ao grupo de continuar realizando inúmeros serviços assistenciais à população carente.
A aplicação da doutrina nos serviços sociais do centro espírita é algo desafiador. Mesmo em atividades menores e mais simples. Há casos em que a instituição passa a vida inteira doando meritoriamente enxovais às gestantes pobres, acrescidos de informações de higiene e saúde de grande alcance, mas sem jamais oferecer-lhes informações mínimas que sejam sobre a doutrina. Existem em inúmeras cidades brasileiras belíssimos serviços prestados por espíritas dedicados, como os conhecidos Albergues Noturnos, em que as pessoas são recebidas, tomam banho, se alimentam, deitam e dormem para saírem no dia seguinte da mesma forma como entraram. Nada de Espiritismo.
Ninguém nega o mérito desses serviços, mas o diferencial do trabalho assistencial espírita está na Doutrina. Sem ela, esse trabalho se torna comum. Frente a inúmeras atividades dessa natureza, o espírita não sabe muitas vezes como unir a Doutrina ao serviço. E, por não saberem, abrem mão dela. Há portanto que se estudar conjuntamente com o preparo da obra as formas como a doutrina estará ligada e, por que não, sobreposta a ela.
Não será difícil encontrarmos alguns Lares de Idosos, exemplarmente dirigidos por espíritas, onde o trabalho desenvolvido serve de modelo para a própria comunidade. Mas no instante de oferecer a doutrina os dirigentes deixam uma lacuna enorme, por lhes faltar o natural planejamento para tanto.
Da mesma forma como acontece em Albergues, Creches, Hospitais etc., nestes Lares a Doutrina acaba se tornando artigo raro. Como oferecer doutrina em um Albergue Noturno, onde os indivíduos têm estada breve, às vezes chegam alcoolizados e quando não cansados de tanto andar? Como dar Espiritismo em Lares onde os idosos são portadores das mais diversas deficiências físicas provocadas pela idade?
As perguntas, no entanto, devem ser invertidas: como oferecer assistência social em uma casa doutrinária? Sim, porque em uma obra social espírita previamente planejada, a doutrina deveria ter sua aplicação antecipadamente definida. A qualidade total do serviço será sempre a somatória da qualidade do trabalho doutrinário e do serviço social. Onde houver apenas serviço social, sem nenhum demérito para a obra, faltará a parte da doutrina e a qualidade será insuficiente.
Deve-se ainda questionar o fato da duplicidade de serviços em uma mesma localidade e o comportamento semelhante à concorrência, que se pratica aqui e ali. Sempre que desejam instalar uma obra social, os bons dirigentes haverão de questionar quanto à sua oportunidade, uma vez que se observa não raro em algumas localidades, entidades espíritas e não espíritas realizando serviços de natureza idêntica, em duplicidade desnecessária, enquanto outras parcelas de interesse ficam desprovidas de assistência.
Isto quando não ocorre a chamada concorrência, isto é, indivíduos se jogam na direção de um trabalho assistencial movidos pelo desejo de apresentarem apenas um serviço melhor que o do vizinho e não pelo ideal da obra em si. Viu-se isto acontecer mais de uma vez e as conseqüências acabam recaindo sobre os beneficiários da obra, pois não são eles o objeto direto da ação dos indivíduos. Ora, em Doutrina Espírita não cabe a idéia de concorrência, senão em pessoas desprovidas de conhecimento e prática, que se alimentam de egoísmo e vaidade. Pomposas obras foram erguidas neste país para desmoronarem não muito tempo depois, porque não tinham o sentido da solidariedade humana e sim o interesse de concorrência entre grupos e, no fundo, uma espécie de comércio envolvendo os idealizadores e Deus: à semelhança das religiões formais, os indivíduos ofereciam a Deus a obra em troca da garantia de um futuro espiritual excelente. Pobre ilusão!
Dirigentes inteligentes e sinceros em seus ideais observam sempre a oportunidade do serviço social como um ponto de apoio para a carência dos indivíduos necessitados e - também - uma possibilidade de prática da doutrina para muitos freqüentadores. E antes de decidirem pelo caminho a seguir, analisam a situação, a fim de colaborar nas áreas mais vazias da sociedade. Mas não assumem o serviço como salvação para ninguém e sim como mais uma atividade voltada para a elevação da dignidade humana.
Caracterizado como prestador de serviço, o centro espírita tem à sua frente um longo caminho de preparação e emprego de atividades inúmeras, sob a orientação da Codificação. Como a mediunidade é ainda hoje um forte motivador para a criação de centros, os dirigentes têm nela um elemento gerador de inúmeros serviços, como a doutrinação, a desobsessão, as curas e outras, que se vão formando no rol de atividades. Herculano Pires, no seu precioso livro O Centro Espírita, lançado após o seu desencarne, afirma que curar e educar são atividades do ser humano de todas as épocas e, como tal, não poderia faltar nas atividades do centro.
Em termos de atividades mediúnicas, muitos mitos têm sido criados ao longo do tempo, contrários ao bom senso e ao ensinamento de O Livro dos Médiuns. Eles resultam ora da má interpretação do pensamento kardequiano, ora da má compreensão das opiniões de Espíritos nas obras complementares. Esses mitos, com o tempo, se transformam em tabus, lugares-comuns e acabam virando lei para aqueles que pouco estudam. Eles vão desde afirmações que colocam a mediunidade em plano secundário e pretendem criar um Espiritismo sem Espíritos, até a negação dos fenômenos como elementos importantes do contexto doutrinário.
O rol de fatos negados é bastante extenso e às vezes encontra eco em instituições de peso no movimento, cujos diretores assumem a defesa deles e lhes conferem ares de lei. Com isto, os centros espíritas que lhe são afins acabam seguindo suas orientações e aumentando a atuação dos negativistas. Mas, seria tremenda injustiça afirmar que apenas os dirigentes mais simples entram por este caminho. Temos de convir que dirigentes aparentemente cultos e bem conceituados acabam por seguir a linha negativista dos fenômenos e reforçam a atuação deles, mesmo que aleguem razões diferentes para seu comportamento.
Não faz muito tempo, desencadeou-se no país uma campanha para trazer de volta os Espíritos para dentro dos centros, tal era a força dos negativistas, que haviam conseguido quase aboli-los em nome de um intelectualismo materialista. Isso fez com que as forças contrabalançassem, mas a questão jamais morreu. Pelo contrário, aqui e ali surgem fatos e acontecimentos que servem para fazer ressurgir o negativismo mediúnico, ameaçando a grandeza do centro. Ninguém vive sem os Espíritos.
Não existem dois mundos: o material e o espiritual. Há apenas um. Nele, a vida se entrelaça e se mistura. Quando alguém se refere à vida espiritual, o mundo dos Espíritos surge apenas como elemento didático, visando facilitar a compreensão.

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