Necessidade de estudo de Kardec
para discernimento doutrinário
José Herculano Pires
Há muitas confusões, feitas intencionalmente ou não, entre o
Espiritismo e numerosas formas de crendice popular, inclusive as formas de
sincretismo religioso afro-brasileiro, hoje largamente difundidas. Adversários
da doutrina espírita costumam fazer intencionalmente essas confusões, com o fim
de afastar do Espiritismo as pessoas cultas. Por outro lado, alguns espíritas
mal-orientados, que não conhecem a própria doutrina, colaboram nesse trabalho
de confusão, admitindo como doutrinárias as mais estranhas manifestações
mediúnicas e as mais evidentes mistificações.
Alguns leitores se mostram justamente alarmados com a larga
aceitação que vem tendo, em certos meios doutrinários, práticas de Umbanda e
comunicações de Ramatis. E nos escrevem a respeito, pedindo uma palavra nossa
sobre esses assuntos. Na verdade, já escrevemos numerosas crônicas tratando da
necessidade de vigilância nos meios espíritas, de maior e mais seguro conhecimento
dos nossos princípios, e apontando os perigos decorrentes do entusiasmo fácil,
da aceitação apressada de certas inovações. Mas, para atender às solicitações,
voltaremos hoje ao assunto.
Kardec dizia, com muita razão, que os adeptos demasiado entusiastas
são mais perigosos para a doutrina do que os próprios adversários. Porque
estes, combatendo o que não conhecem, evidenciam a própria fraqueza e
contribuem para o esclarecimento do povo, enquanto os adeptos de entusiasmo
fácil comprometem a causa. O que estamos vendo hoje, no meio espírita
brasileiro, não é mais do que a confirmação dessa assertiva do codificador.
Espíritas demasiado entusiastas estão sempre prontos a receber qualquer “nova
revelação” que lhes seja oferecida, e a divulgá-la sofregadamente, como
verdades incontestáveis. Que diferença entre o equilíbrio e a ponderação de
Kardec e essa afoiteza inútil e prejudicial!
No tocante à Umbanda, já dissemos aqui, numerosas vezes, que se
trata de uma forma de sincretismo religioso, ou seja, de mistura de religiões e
cultos, com a qual o Espiritismo nada tem a ver. As formas de sincretismo
religioso são, praticamente, as nebulosas sociais de que nascem as novas
religiões. A Umbanda já superou a fase inicial de nebulosa, estando agora em
plena fase de condensação. E por isso que ela se difunde com mais intensidade.
Já se pode dizer que é uma nova religião, formada com elementos das crenças
africanas e indígenas, misturados a crenças e formas de culto do catolicismo e
do islamismo em franco desenvolvimento entre nós. O Espiritismo não participou
da sua formação, embora os nossos sociólogos, em geral, exatamente por
desconhecerem o Espiritismo, digam o contrário, pois confundem o mediunismo
primitivo, de origem africana e indígena, com os princípios de uma doutrina
moderna. Nós, espíritas, devemos respeitar na Umbanda uma religião nascente,
mas não podemos admitir confusões entre as suas práticas sincréticas e as
práticas espíritas.
Quanto às mensagens de Ramatis, também já tivemos ocasião de
declarar que se trata de mensagens mediúnicas a serem examinadas. De nossa
parte, consideramo-las como mensagens confusas, dogmáticas, vazadas na
linguagem típica dos espíritos pseudo-sábios, a que Kardec se refere na escala
espírita de O Livro dos Espíritos. Cheias de afirmações absurdas, e até
mesmo contraditórias, essas mensagens revelam uma fonte que devia ser encarada
com menos entusiasmo e com mais cautela pelos espíritas. Em geral, nossos
confrades se entusiasmam com “as novas revelações” aparentemente contidas nas
mesmas, esquecendo-se de passá-las, como aconselhava Kardec, pelo crivo da
razão.
O que temos de aconselhar a todos, pelo menos a todos os que nos
consultam a respeito, é mais leitura e mais estudo de Kardec, e menos atenção a
espíritos que tudo sabem e a tudo respondem com tanta facilidade, usando sempre
uma linguagem envolvente, em que nem todos sabem dividir a verdade do erro. “O
Espiritismo”, dizia Cairbar Schutel, “é uma questão de bom-senso”. Procuremos
andar de maneira sensata, na aceitação de mensagens mediúnicas.
O Mistério do Bem e do Mal.
Artigo 1. S. Bernardo do Campo:
Correio Fraterno do ABC, 1992. p. 9-11.
Artigo 1. S. Bernardo do Campo:
Correio Fraterno do ABC, 1992. p. 9-11.
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